La Casa de Papel
La Casa de Papel é uma série de televisão espanhola do gênero de filmes de assalto. Criada pelo produtor e roteirista Álex Pina, a série estreou em 2017, sendo posteriormente adicionada internacionalmente no catálogo da Netflix. A série recebeu críticas positivas e ganhou em 2018 o Emmy Internacional de melhor série dramática. Atualmente em sua quarta temporada, a história de um roubo inusitado e muito bem elaborado se tornou um dos maiores sucessos da Netflix de todos os tempos.
A trama se desenrola quando oito pessoas entram na Casa da Moeda espanhola, fazem reféns e ficam dias trancados com eles no local para fabricar seu próprio dinheiro. Eles seguem os planos do líder do grupo, o Professor, que do lado de fora orquestra inúmeras situações para que o grupo seja bem sucedido na sua missão.
A partir deste ponto, preciso avisá-los que existe o risco de spoilers! 😉
O Professor
Interpretado por Álvaro Morte, o Professor é o cérebro e gestor das operações de La Casa de Papel. Seu verdadeiro nome é Sergio Marquina, um intelectual que passou a primeira parte da sua vida em uma cama de hospital, onde lia e ouvia histórias sobre roubos contadas pelo pai. Quando o pai morre baleado na porta do Banco Hispano-Americano, o garoto percebe que as histórias eram reais e cresce com uma mistura de orgulho e desejo de vingança. É por isso que Sergio arquiteta o plano de roubar a Casa da Moeda, uma das histórias da sua infância, ao lado do seu meio-irmão Andrés de Fonollosa, o Berlim.
Onde entra o BPM nessa estória?
Muita gente aproveitou a quarentena e o isolamento social para maratonar os episódios da 4ª. temporada de La Casa de Papel e por aqui na dheka não foi diferente. Como tenho o (bom?) hábito de enxergar processos em tudo, nessa série não foi diferente.
Vários aspectos da Gestão de Processos de Negócio (BPM) poderiam ser aqui discutidos. Porém, o que salta aos olhos nessa série é o papel essencial do Professor, que atua como um verdadeiro Gestor de Processos. Então, vamos entender melhor a natureza deste papel.
Gestor de Processos
O Gestor de Processos é a pessoa na organização que possui responsabilidade por um processo do início ao fim. O Gestor de Processos é quem lidera as iniciativas de transformação de processos na empresa.
O Gestor de Processos pode ser alguém que exerce ou já exerceu um cargo executivo na empresa, pois precisa ter autoridade e liderança amplamente aceitas. Porém, um Gestor de Processos não substitui os gerentes funcionais, pois atua de forma diferente, com o olhar horizontal ou transversal para o processo da organização e não vertical focado em uma única área ou departamento da empresa.
O papel de Gestor de Processos não é trivial, pois além de ser especialista em BPM, ele lida também com outros diferentes temas:
- Planejamento;
- Gestão de Pessoas;
- Tecnologia;
- Gestão de Riscos;
- Qualidade;
- Gestão de Indicadores;
- Mediação de Conflitos e etc.
Além disso, cabe ao Gestor de Processos orquestrar o bom funcionamento de todo o ciclo de BPM, passando por todas as fases: projeto, modelagem, simulação, execução, monitoramento e melhoria de processos.
O Professor é um Gestor de Processos?
Para responder a esta pergunta, vamos analisar a atuação de um gestor de processos em cada fase do ciclo de BPM e compará-la com a atuação do Professor de La Casa de Papel.
Fase de Projeto
Na fase de Projeto, o Gestor de Processos deve cuidar de todo o planejamento e estimativa de um projeto de BPM. Também cabe a ele seguir os padrões definidos pela empresa para o método, meta-modelo, notação e ferramenta de modelagem de processos.
Por sua vez, é inegável o papel do Professor na elaboração dos planos dos 2 assaltos de La Casa de Papel. Ele é a mente brilhante por trás de todos os detalhes de definição de equipe, ferramentas, comunicação, rotas de fuga e etc. A capacidade de ser minucioso no planejamento é uma das principais qualidade do Professor. Isso ninguém pode negar!
Fase de Modelagem de Processos
Na fase de Modelagem dos Processos, cabe ao Gestor de Processos desenvolver com a sua equipe modelos de processos úteis para o negócio. Estes modelos são úteis porque contribuem para o entendimento dos processos, pois geralmente os executivos têm somente uma visão de alto nível e os outros atores do processo só conhecem as suas atividades. Os modelos ainda partem do alto nível (como a Cadeia de Valor e a Arquitetura de Processos) até o a modelagem mais detalhada.
O Professor também se mostra um mestre nessa modelagem. Ele cria uma série de modelos do plano (mapas, desenhos, maquetes e etc.) e também difunde o entendimento do processo entre os diferentes atores do assalto.
Cada personagem é colocado para atuar na sua especialidade, mas com entendimento do funcionamento do todo. Por exemplo, nesta última temporada, vimos que todos foram treinados em novas habilidades médicas (e chegam a operar a Nairóbi!) e demonstram conhecer os detalhes técnicos para substituir uns aos outros quando necessário (a Estocolmo assumiu até mesmo a coordenação de derreter o ouro).
Fase de Simulação de Processos
A fase de Simulação de Processos é uma etapa opcional do ciclo de BPM usada para testar os resultados do processo em uma ferramenta computacional que avalia as diferentes variáveis do processo para verificar se ele será executado da maneira prevista ou se estão ocorrendo possíveis filas ou gargalos. Caso sejam detectados problemas, o processo pode ser alterado antes de ser disponibilizado para uso efetivo dentro da empresa. O Gestor de Processos usa a simulação para planejar capacidades, redirecionar eventuais gargalos, buscar reduzir prazos e custos.
Em La Casa de Papel, também vemos a prática da Simulação quando o Professor acompanha a ida de Berlim ao Banco da Espanha para uma reunião com o governador durante um ataque simulado. O objetivo desta simulação era verificar como reagiria a equipe de segurança do banco. Assim, eles já saíram de lá sabendo que o Gandia poderia se tornar um problema (o que se confirmou durante o assalto real!) e tiveram a oportunidade de investigá-lo e fazer eventuais ajustes para minimizar essa ameaça.
Fase de Execução de Processos
A fase de Execução de Processos é bastante ampla e compreende desde a Gestão de Mudanças, Automação de Processos, Operação assistida e institucionalização de Processos. Focando na automação de processos, sabemos que existem diferentes soluções computacionais e ferramentas para apoiar esta automação de processos. Do ponto de vista do Gestor de Processos, automatizar um processo é uma forma de garantir que o processo será executado da forma como foi projetado. É a automação que irá tornar o processo real para os executores do processo.
Na 4ª. temporada da série, vimos que o Professor, com o dinheiro do assalto anterior, caprichou na automação do processo. A equipe de ladrões entra no banco com um arsenal de ferramentas ao seu dispor dentro do caminhão. As ferramentas incluíam desde armas de fogo de diferentes tipos até equipamentos médicos para possíveis emergências. Além disso, do lado de fora, ele também tinha diferentes veículos, equipes em diferentes partes do mundo, incluindo especialistas em tecnologias e satélites. Por fim, chamou a atenção o uso das tecnologias mais antigas para proteger eles de serem hackeados, né?
Fase de Monitoramento de Processos
Chegando na fase de Monitoramento de Processos, cabe ao Gestor de Processos acompanhar o desempenho das métricas e indicadores. Geralmente, o Gestor utiliza um dashboard para visualizar os gráficos e tabelas de resultados e tendências. As ferramentas também podem enviar alertas em tempo real quando valores críticos forem atingidos.
O Professor é um Gestor ligado o tempo inteiro na execução dos seus processos. Ele monitora algumas operações minuto a minuto. Além disso, ele usa e abusa da tecnologia para monitoramento de sons, imagens e vídeos, chegando a criar um centro de controle do assalto com diferentes equipamentos e monitores.
Por fim, chegamos na fase de Melhoria de Processos. Neste momento, cabe ao Gestor de Processos guiar as ações de Transformação dos Processos da empresa. O Gestor participa ativamente da análise do processo e da implantação das ações de melhorias.
Talvez esse seja um ponto fraco do Professor como Gestor. Por ser extremamente metódico e preso ao plano, ele também tem bastante dificuldade em se desapegar para melhorá-lo depois que ele já está em andamento.
Por outro lado, olhando de forma mais ampla, a sua vontade de melhorar todo o sistema capitalista e buscar o apoio popular são justamente um dos motivos do grande sucesso da série.
Conclusão
Obviamente, o objetivo deste post não é fazer nenhuma apologia ao assalto a bancos e nem ao uso da mente brilhante do Professor para atividades ilícitas. No entanto, a analogia feita visa somente a transmissão dos conceitos de forma lúdica e divertida, visando facilitar o aprendizado.
Entendidas todas as atribuições de um Gestor de Processos, podemos observar que a vida dele não é nada fácil. Portanto, os Gestores precisam ser treinados e capacitados nos princípios e práticas de BPM. Dessa forma, também podem exercer outras atividades, tais como Workshops de Sensibilização e divulgação do BPM na empresa, além de Coaching com outros membros da equipe e novos gestores de processos.
Por fim, deixo as seguintes perguntas para vocês: Que outros personagens de La Casa de Papel vocês acham que exercem os papéis de BPM? Além disso, que outros conceitos de BPM vocês enxergam enquanto se divertem com esse seriado?
Publicado por: Andréa Magalhães
CEO e Fundadora da dheka – Especialista em BPM – Professora e Pesquisadora
Atuou durante 7 anos como professora do Instituto de Computação (IC) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Atuou como pós-doutora e pesquisadora pela COPPE/UFRJ em 2014 e na UNIRIO em 2015. Concluiu seu doutorado em Engenharia de Software com foco em Processos e Colaboração pela COPPE/UFRJ em 2013.
Experiência de participação em projetos de consultoria para diferentes empresas, como B3, Marinha, Petros, Vale, TIM, Petrobras, SENAI-CETIQT, Shell, Arquivo Nacional e Mongeral Aegon. Atua há 20 anos nas áreas de Gestão de Processos de Negócio (BPM), Gerência de Projetos e Requisitos. Atuou durante 2,5 anos como Gerente na Ernst Young (EY). Certified Business Process Professional (CBPP).
Também ministra cursos de pós-graduação e extensão, orienta alunos e possui trabalhos publicados em congressos e revistas nacionais e internacionais.
Como Expert Digital, mantém o canal do Youtube da dheka, os podcasts do canal dhekaCast no Spotify, Deezer e Apple Podcast, contribui com publicações para o blog da dheka e atua como Palestrante e Mentora.