
Durante as fases do Ciclo BPM é muito comum que os profissionais de BPM concentrem seus esforços na modelagem de processos. São feitos treinamentos intensivos com dezenas de horas para garantir que saibam utilizar notações como BPMN ou EPC. Também são concentrados os esforços de levantamento de processos para descobrir os modelos de processos AS-IS.
A análise do processo, etapa seguinte, normalmente é mais ampla: pode-se usar ferramentas qualitativas ou quantitativas para identificar os problemas principais (chamados de causa-raiz). O profissional deve ser capaz de decidir quais técnicas são as mais pertinentes para cada caso. O resultado? Um bom diagnóstico da situação atual.
Mas, e o modelo TO-BE?
Pouco se comenta sobre como passamos do modelo AS-IS para o TO-BE. Espera-se que venha através de um “passe de mágica”: listamos os problemas, pensamos em soluções para cada um deles e o novo processo surgirá em nossas frentes (nem comento sobre os projetos que param na análise e ignoram a necessidade de criar o TO-BE).
Precisamos encarar de vez esse problema de como criar um TO-BE de forma sistemática. Vamos, então, conhecer um pouco mais sobre o Redesenho Heurístico de Processos?
Redesenho de Processos
Para Dumas et al. (2013), o redesenho de processos pode ser considerado uma mudança substancial e intencional de um processo de negócio. As mudanças envolvidas podem se estender à organização, seu meio externo, as informações, tecnologias utilizadas e também a seus produtos.
Para definir a melhoria dos processos, Dumas et al. (2013) apresentam o framework teórico “Devil’s Quadrangle”, que apresenta o desempenho do processo a partir de quatro critérios: tempo, custo, qualidade e flexibilidade.
O objetivo deste framework é incentivar o pensamento do trade-off: uma ação de melhoria do processo indica que a melhora de desempenho em uma dimensão pode representar a piora em outro eixo de performance – por exemplo, a contratação de mais funcionários para um setor pode reduzir a duração do processo (melhoria de desempenho em tempo), mas aumentar significativamente a folha salarial (piora de desempenho em custo).
Logo, um redesenho eficaz deve considerar os diversos trade-offs possíveis.

Fonte: Adaptado de Dumas et al. (2013, p. 304)
O foco principal da abordagem por processos é a determinação do método a ser utilizado no redesenho: conjunto de abordagens de solução de problemas regidos por princípios e uma filosofia em comum. Sua extensão vai desde a fase inicial de um projeto de redesenho até a implementação das melhorias definidas.
Dentre os vários métodos existentes na literatura, vamos agora focar em um que serve como um guia para ajudar os profissionais de BPM a elaborarem os cenários TO-BE: o Redesenho Heurístico de Processos.
Mas antes precisamos entender o que é uma heurística.
O que é Heurística?
Heurística é um procedimento, regra ou princípio utilizado para alcançar determinado resultado, sem intenção de ter 100% de eficácia. Ou seja, é algo que, se você fizer, provavelmente vai funcionar (KOEN, 2003).
Um exemplo do dia a dia: se você sair de casa com antecedência, você provavelmente chegará a tempo no seu trabalho (mas há vezes que não vai dar certo por inúmeros fatores imprevisíveis). Logo, sair mais cedo é uma heurística.
Mas imaginemos que você tem uma reunião importantíssima e não pode se atrasar de jeito nenhum. Outra heurística que você pode fazer é verificar na internet quais os locais de trânsito e buscar quais rotas serão mais rápidas.
Ou seja, realizamos diversas heurísticas no nosso cotidiano que vamos aprendendo ao longo do tempo. Para BPM não é diferente: a experiência permitiu que acumulássemos diversas heurísticas para melhorar os processos caso a caso.
Muitas vezes transpomos soluções que usamos em exemplos e projetos anteriores para o problema atual. Por isso, ter uma “mala de ferramentas” com diversas heurísticas ajuda o profissional de BPM a criar os melhores cenários TO-BE.
Algumas heurísticas de BPM
Reijers e Mansar (2005) trazem uma lista com 29 heurísticas de melhoria de processos. Estas heurísticas são divididas em sete categorias:
- Operação dos processos de negócio
- Clientes
- Comportamento de processos de negócio
- Organização
- Informação
- Tecnologia
- Ambiente externo
Vamos conhecer algumas das heurísticas?
Paralelismo: mude atividades que ocorrem em sequência e que não possuem dependência lógica para que ocorram em paralelo. Neste caso, o tempo total do processo pode ser reduzido.
Exemplo: imagine que um relatório precisa coletar aprovações de diversos representantes de uma empresa. Em vez de coletar as aprovações sequencialmente, podemos coletar paralelamente.

Fonte: Baseado em Reijers e Mansar (2015)
Nocaute: muitos processos passam por diversas verificações para a aprovação final do resultado. Caso alguma condição não seja atendida, parte do processo pode ser finalizada, ocorrendo o nocaute. Esta heurística consiste em verificar primeiro a condição que tenha maior probabilidade de nocaute associada ao menor esforço de verificação. Dessa forma a execução do processo pode tornar-se mais rápida e menos custosa.
Exemplo: a contratação de um empréstimo possui histórico de checar a documentação e a inadimplência dos solicitantes. Se a checagem de documentação reprova 5% dos solicitantes e a checagem da inadimplência rejeitar 15% das propostas, coloque a checagem da inadimplência primeiro.
Realocação de controle: transfira o controle de etapas do processo para os clientes, como verificações, preenchimentos ou agendamentos. Dessa forma pode-se eliminar erros e aumentar a satisfação do cliente.
Exemplo: Durante um atendimento, uma etapa importante é o preenchimento de cadastro. Para otimizar o tempo de atendimento, em vez do operador preencher o cadastro do cliente durante o serviço, o cliente deve preencher seu cadastro de forma online em casa antes do atendimento.
Esses são alguns exemplos de heurísticas, mas ainda há diversas outras na lista, como aquisição de recursos extras, resequenciamento, terceirização, automação de atividades… Você também pode incluir mais outras novas que você aprendeu com a experiência prática dos projetos que realizou!
Lembre-se: cada heurística provocará o impacto em um ou mais critérios de desempenho, seja positivo ou negativo. A realocação de controle impacta positivamente na qualidade e no tempo; já aquisição de recursos extras impacta positivamente no tempo e na flexibilidade, mas pode ter um impacto negativo em custos.
Agora, como aplicar as heurísticas em um método?
Redesenho Heurístico de Processos
O redesenho heurístico de processos é um método baseado em escolher sistematicamente princípios de redesenho (as heurísticas) para elaborar cenários futuros.
Este método se divide em três etapas: iniciar, projetar, avaliar.
A primeira etapa define o projeto de redesenho. Após a modelagem AS-IS e a definição dos problemas, a equipe de BPM deve definir os objetivos de desempenho a serem alcançados (custo, tempo, qualidade ou flexibilidade) – recomenda-se que sejam escolhidos um ou dois critérios no máximo.
A segunda etapa é a principal do método. A partir dos critérios de desempenho escolhidos, a equipe deve selecionar quais heurísticas podem ser utilizadas para elaborar os cenários TO-BE. Cada cenário pode utilizar uma heurística ou um conjunto de heurísticas.
Em geral são criados pelo menos três cenários, que constituem as alternativas para redesenho do processo.
A terceira etapa avalia os diferentes cenários de forma qualitativa ou quantitativa. Deve ser escolhido um cenário para implementação, seguindo as etapas do Ciclo BPM.

Curso Análise e Melhoria de Processos
Analisar a situação atual (AS-IS) de um processo e melhorá-lo projetando um novo processo TO-BE.
Saiba maisUm exemplo prático:
Vamos imaginar que precisamos melhorar o processo atual de admissão de novos funcionários em uma empresa. Hoje a entrega do enxoval de documentos físicos é feita presencialmente, com o analista de RH tendo que digitalizar os documentos e preencher o cadastro do novo funcionário no sistema.
O primeiro passo é definir os objetivos de desempenho. Supondo que a empresa esteja com um grande volume de novos funcionários, vamos focar em reduzir tempo.
O segundo passo é selecionar heurísticas possíveis. A equipe selecionou as heurísticas de automatização, realocação de controle e aquisição de recursos extras. Utilizando estas heurísticas, foram formados três cenários:
- Cenário 1: contratação de novo analista de RH (aquisição de recursos extras)
- Cenário 2: novo colaborador envia documentos digitalizados via e-mail, analista de RH confere e faz inserção no sistema (realocação de controle)
- Cenário 3: criação de formulário online para colaborador fazer upload dos documentos digitalizados, enquanto analista de RH apenas faz conferência (automatização + realocação de controle)
A última etapa é avaliar os cenários elaborados. Verificando esforço e impacto junto à equipe de TI, decidiu-se pela implementação do cenário 3. Com isso a equipe de BPM pode desenhar o processo TO-BE para ser implementado nas etapas seguintes do ciclo BPM.
Conclusão: Usamos continuamente heurísticas nos projetos de BPM!
Vimos que aplicamos heurísticas tanto no nosso dia a dia quanto nos nossos projetos de BPM. O Redesenho Heurístico de Processos é um método que serve para sistematizar o uso das heurísticas para criar cenários TO-BE.
Precisamos sempre pensar no redesenho. Enquanto muitos profissionais de processos se especializam em modelagem e/ou análise de processos, é no redesenho e na implementação que mora o verdadeiro espírito do BPM. Essa é a ideia de melhoria contínua.
Referências Bibliográficas
Dumas, M., La Rosa, M., Mendling, J., & Reijers, H. A. (2018). Fundamentals of business process management. Heidelberg: Springer.
Koen, B. V. (2003). Discussion of the method: Conducting the engineer’s approach to problem solving. Oxford University Press on Demand.
Reijers, H. A., & Mansar, S. L. (2005). Best practices in business process redesign: an overview and qualitative evaluation of successful redesign heuristics. Omega, 33(4), 283-306.

Publicado por: Thiago Machado thiago.machado@dheka.com.br
Mestre em Engenharia de Produção, com foco em Gestão e Inovação, pela COPPE/UFRJ; especialista em Engenharia e Gestão de Processos de Negócios pela Poli/UFRJ.
Possui experiência com consultoria de gestão e de BPM. Realizou projetos em organizações como o INCA (Instituto Nacional do Câncer), CICC (Centro Integrado de Comando e Controle do RJ) e Parque Tecnológico da UFRJ.
Atuou como professor substituto na área de Gestão da Produção, no Departamento de Engenharia Industrial da Poli/UFRJ. Orientou projetos de BPM da empresa Júnior Fluxo Consultoria. Ministra aulas e orientação de trabalhos em MBAs relacionados à BPM e áreas correlatas.