Introdução
A Process Science é um movimento internacional. Eu participei da BPM Conference 2020 que foi online e já estava se falando bastante sobre esse assunto, mas na verdade este termo foi cunhado em 2015. Existe um site internacional onde você pode conferir uma apresentação explicando vários detalhes sobre esse assunto e, caso se interesse, pode se cadastrar para ser notificado e participar das discussões. Hoje, vamos explicar o porquê da criação deste termo, o que é e como se faz Process Science.
Por que Process Science?
A área de processos é muito fragmentada em diferentes disciplinas científicas: Administração, Engenharia de Produção, Ciência da Computação, Sistemas de Informação, Jurídico, Ciências Sociais, Psicologia, Antropologia, Política, Economia e etc. Então, existe uma pulverização entre as diferentes ciências quando se trata de processos.
A gestão de processos, por ser um conceito muito amplo e extremamente multidisciplinar, exige a integração de diferentes técnicas, instrumentos, ferramentas e perfis de profissionais. Portanto, é crucial adotar uma visão ampla e considerar os diversos olhares para um processo, em vez de fragmentá-lo e tentar entender isoladamente o que cada área deve fazer. Afinal, já ficou evidente que esse tipo de estratégia não costuma funcionar de maneira eficaz.
Processos crescem além dos silos das disciplinas. Não se encaixam mais no controle de um dos silos. Já se tornaram um fenômeno por si próprios.
Process Science: foco no Processo
A Process Science é baseada em quatro pilares. O primeiro deles é o foco no Processo. Os defensores da Process Science argumentam que o processo em si é o foco, ou seja, ele é o alvo. A Ciência de Processos vem para trazer realmente um foco no processo e entender que ele é maior do que qualquer disciplina e está constantemente evoluindo. Por isso, não pode ficar restrito ao escopo de uma área ou outra. As áreas podem aprender umas com as outras ao invés de fomentar uma segregação.
Percebemos que a área de BPM está sempre crescendo e constantemente trazendo novidades; contudo, essa fragmentação não contribui para a exploração plena da multidisciplinaridade. Além disso, os processos desempenham um papel importante em diversos domínios, como psicologia, linguística, antropologia, política, economia, computação, administração e outros. Por outro lado, é importante destacar que cada uma dessas áreas adota uma perspectiva distinta para estudar os processos.
A fertilização cruzada entre campos de pesquisa pode levar a novos métodos para estudar como e por que certos fenômenos evoluem e mudam ao longo do tempo. Assim, a ciência de processos traz um campo de estudo interdisciplinar, fornecendo uma plataforma para promover a troca contínua entre vários campos isolados.
Acumular conhecimento de muitas disciplinas poderá ser altamente benéfico, desde que tais visões sejam tornadas transparentes e, portanto, possam ser consideradas ao interpretar e discutir resultados e projetar intervenções nos processos.
A criação da Process Science também busca chamar a atenção para a área, fomentando ainda mais o tema e levando um pouco mais de profissionalismo para essa área, além de incentivar as pesquisas e docência em BPM.
O que é Process Science?
A primeira definição foi criada em 2015, quando o termo foi cunhado pela primeira vez:
Essa definição tinha alguns pontos complicados: primeiro porque ela estava enfatizando duas áreas (gestão e tecnologia da informação) enquanto excluía as outras áreas. Ao mesmo tempo, não deixa tão explícita a questão da interdisciplinaridade. O segundo aspecto é que ela enfatiza muito duas fases do Ciclo BPM (execução e melhoria).
A partir desta definição inicial, um grande pesquisador internacional da área de BPM (Jan vom Brocke) foi evoluindo até chegar a uma nova definição para o termo Process Science:
Nesta segunda definição, já vemos que aparece claramente a interdisciplinaridade e sai o foco em áreas ou fases específicas. Foi justamente esta definição que eu vi sendo apresentada ao vivo na BPM Conference de 2020.
Em uma definição mais recente, temos já uma definição mais aprofundada:
“Process Science é um campo que estuda processos como uma série coerente de mudanças, tanto provocadas pelo homem quanto naturais, que se desenvolvem ao longo do tempo e ocorrem em vários níveis.” (van BROCKE et al., 2021).
Com esta definição já surge uma preocupação da Process Science com o entendimento e a influência nas mudanças. Implica em descobrir e entender processos, bem como projetar intervenções para moldá-los nas direções desejadas. Por fim, a última definição de Process Science apresentada em 2024, traz já uma visão sócio-técnica:
“Process Science é o estudo interdisciplinar de processos sociotécnicos. Os processos sociotécnicos envolvem séries coerentes de mudanças ao longo do tempo, envolvendo ações e eventos que incluem humanos e tecnologias digitais.” (van BROCKE et al., 2024)
Como fazer Process Science?
Usamos método científico (incluindo métodos qualitativos e quantitativos) e podemos dizer, em linhas gerais, que temos quatro grandes maneiras de trabalhar com a Process Science.
1. Prescritiva: Process Science aplicada ao como fazer alguma coisa. Por exemplo, como modelar um processo?
2. Preditiva: utilizando Process Science para prever o comportamento futuro de alguns processos. Por exemplo, quando executamos a simulação de processos.
3. Explanatória: explicar, justificar, os motivos e os porquês de alguma coisa nos processos. Então quando eu me faço perguntas do tipo: por que os usuários não estão usando determinado processo? Eu vou hipotetizar e buscar respostas que expliquem esse tipo de comportamento, isso também é Process Science.
4. Descritiva: quando eu quero, por exemplo, apresentar o funcionamento de um processo em um determinado contexto ou um determinado momento do tempo.
Conclusão
Vocês já imaginaram como seria se essa Ciência de Processos realmente vingasse e colasse no mercado de BPM? Com isso, começaríamos a ter profissionais conhecidos como cientistas de processos. E aí, o que você acha desse nome? Será que isso tornaria a atuação dos analistas e consultores de processos ainda mais atraente?
Hoje em dia, fala-se bastante sobre cientistas de dados, e não é por acaso que o termo Process Science foi escolhido: esse nome, aliás, também foi inspirado em Data Science (Ciência de Dados), que, por sua vez, está extremamente em alta nos dias atuais. Além disso, a Process Science também está aproveitando a onda da enorme disponibilidade de dados digitais, o que, por consequência, permite que exploremos, como nunca antes, oportunidades de análise avançada de dados relacionados a processos. Nesse contexto, é possível integrar dados provenientes de diversas fontes, incluindo informações internas da empresa, dados ambientais, dados corporais e muitos outros.
O que você acha da ideia de ser um cientista de processos? O que será que esse profissional tem que ter de formação, experiência e atitude para que a gente possa de fato denominá-lo como um cientista de processos?
Por fim, é importante destacar que a Process Science, embora promissora, ainda é um tema muito recente. Portanto, acredito plenamente que este assunto continuará a evoluir significativamente daqui para a frente. Por isso, precisamos estar atentos e acompanhar de perto tanto as mudanças nas pesquisas quanto as transformações no mercado. Afinal, ainda temos muito a descobrir e aprender sobre novas abordagens para pensar em processos no contexto dessa emergente Ciência de Processos.
Referências Bibliográficas
AALST, van der; DAMIANI, E. (2015). “Processes Meet Big Data: Connecting Data Science with Process Science“. IEEE Transactions on Services Computing, v. 8, n. 6, p. 810–819. Disponível em: https://bit.ly/3an4VWM
vom BROCKE, J.; et al. (2021). “Process Science: The Interdisciplinary Study of
Continuous Change”. Disponível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=3916817 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3916817.
vom BROCKE, J.; et al. (2024) “Process science: the interdisciplinary study of socio-
technical change”, Process Sci, vol. 2, n o 1, p. 1, doi: 10.1007/s44311-024-00001-5.
Publicado por: Andréa Magalhães
CEO e Fundadora da dheka – Especialista em BPM – Professora e Pesquisadora
Atuou durante 7 anos como professora do Instituto de Computação (IC) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Atuou como pós-doutora e pesquisadora pela COPPE/UFRJ em 2014 e na UNIRIO em 2015. Concluiu seu doutorado em Engenharia de Software com foco em Processos e Colaboração pela COPPE/UFRJ em 2013.
Experiência de participação em projetos de consultoria para diferentes empresas, como B3, Marinha, Petros, Vale, TIM, Petrobras, SENAI-CETIQT, Shell, Arquivo Nacional e Mongeral Aegon. Atua há 20 anos nas áreas de Gestão de Processos de Negócio (BPM), Gerência de Projetos e Requisitos. Atuou durante 2,5 anos como Gerente na Ernst Young (EY). Certified Business Process Professional (CBPP).
Também ministra cursos de pós-graduação e extensão, orienta alunos e possui trabalhos publicados em congressos e revistas nacionais e internacionais.
Como Expert Digital, mantém o canal do Youtube da dheka, os podcasts do canal dhekaCast no Spotify, Deezer e Apple Podcast, contribui com publicações para o blog da dheka e atua como Palestrante e Mentora.