Surgimento da Mineração de Processos

Em 2009, foi estabelecida pela IEEE uma Força tarefa em prol da Mineração de Processos, ou em inglês IEEE Task Force on Process Mining (TF-PM), com o objetivo de promover pesquisa, desenvolvimento, educação e compreensão da mineração de processos. Alguns anos depois, em 2011, o “Process Mining Manifesto” [Van Der Aalst et al., 2011] foi criado no contexto da TF-PM por um grupo de mais de 75 pessoas (que envolve mais de 50 organizações). 

O “Process Mining Manifesto” lista os desafios e princípios para guiar profissionais que precisam lidar com a Mineração de Processos [Van Der Aalst et al., 2011]. O site da TF-PM possui uma aba de conteúdos sobre Mineração de Processos na aba “Resources”, que inclui o Process Mining Manifesto, vídeos, logs de eventos, estudos de caso, uma lista de livros relacionados ao tema, além de um modelo padrão de stream de eventos.

Domínios de Aplicação da Mineração de Processos

A Mineração de Processos tem como objetivo descobrir, monitorar e aprimorar processos reais [Van Der Aalst et al., 2011]. Essa técnica tem sido amplamente aplicada em diversos contextos, incluindo finanças, auditorias e saúde. Na área da saúde, a mineração é empregada para analisar os processos de atendimento médico, organizações hospitalares [Rojas et al., 2016], assim como em áreas especializadas como oncologia [Kurniati et al., 2016], e até mesmo nos procedimentos cirúrgicos.

Estudo de Caso de Mineração de Processos do Governo Brasileiro

Um estudo de caso notável está relacionado ao Poder Executivo do Governo Brasileiro, acessível por este link. De acordo com os autores do estudo, a principal motivação foi a identificação de imperfeições no processo regulatório. Pequenas melhorias podem ter um impacto significativo na vida dos cidadãos brasileiros, considerando a influência da constituição brasileira sobre milhões de pessoas.

Motivação e Objetivos do Estudo

O estudo teve como meta identificar lacunas nos processos regulatórios do Poder Executivo Federal, incluindo sobreposição de regulamentos, gargalos e retrabalho. O processo normativo envolve a produção de atos administrativos, como emendas constitucionais, leis, medidas provisórias e decretos, desde sua concepção até a submissão ou publicação. Portanto, o estudo se concentra nas atividades relacionadas às organizações públicas, interações entre Ministérios e a Presidência.

Além disso, os desfechos dos atos do Poder Executivo ocorrem através de publicação para decretos e medidas provisórias, e envio para o Congresso Nacional para propostas de emendas constitucionais e contas, com etapas incluindo concepção, discussão com stakeholders, consolidação e assinatura do ato. Portanto, o estudo focalizou um processo dependente de bancos de dados variados e trocas entre fluxos formais e informais. Assim, foi crucial delimitar um escopo para a mineração, envolvendo a troca de informações entre Ministérios e envios para a presidência (utilizando o sistema ‘Sidof’) e o processo interno na Presidência (com o sistema “Sei!”).

Aplicação das técnincas de Process Mining

A aplicação das técnicas revelou os Ministérios com maior influência no processo normativo, responsáveis por propor mais medidas ao Poder Executivo ou ao Congresso Nacional. Além disso, constatou-se que a duração média dos processos era de 30 semanas, com 2.637 decretos e medidas provisórias seguindo caminhos únicos, apesar da expectativa teórica de caminhos semelhantes. Dos projetos estudados, apenas 21 compartilhavam um caminho comum.

A falta de padronização dos processos também ocorre nos processos internos. Além disso, os Ministérios não têm acesso ao sistema eletrônico da Presidência, e com isso os Ministros não sabem o caminho que os processos percorrem até serem assinados pela Presidência. 

Ao minerar os processos do “Sei!”, observamos gargalos usando a ferramenta Disco. Identificamos um gargalo na área de despacho de documentos, onde todos os documentos chegavam juntos, sem separação por tema, o que gerava uma lista a ser processada. Essa lista contribuía para o gargalo. O time de modernização, responsável por melhorar os processos com base nos insights da Mineração de Processos, optou por automatizar os processos e reduzir os déficits de informação, especialmente nas atividades da SAG (unidade de políticas) e SAJ (unidade legal).

Ações de Melhoria Propostas

Foram tomadas ações para melhorar os processos, incluindo a criação de um sistema que combina as qualidades do sistema “Sei!” e do “Sidof”, estabelecendo padrões de processos simplificados e transparentes para os Ministérios. Além disso, houve uma parceria com a Microsoft para facilitar a interação entre os atores do processo e iniciou-se a criação de limpeza e formatação automática de textos normativos.

Estudo de Caso do Futebol

O segundo estudo de caso é sobre a utilização de técnicas de Mineração de Processos no contexto do futebol. Uma pergunta que norteia o  estudo de caso é “O que você prefere? Um bom time com onze indivíduos, ou onze bons indivíduos?” [Johan Cruijff]. Os autores afirmam que não necessariamente onze bons jogadores formam um bom time, eles só serão um bom time se conseguirem trabalhar bem juntos. 

Utiliza-se a mineração de processos para obter insights sobre a cooperação do time, com base em sequências de passes. Ao unir essas sequências, obtemos a rede social do time de futebol, permitindo observar quais jogadores cooperam mais e quais cooperam menos durante o jogo.

A motivação para o estudo sobre o rendimento do time surgiu após uma performance destacada na “Partida A”, seguida pela não classificação para a “Partida B”. Na análise comparativa das duas partidas, revelou-se que, apesar de a Partida B ter tido uma maior posse de bola e número de passes, não alcançou a vitória. Os pesquisadores investigaram estratégias para otimizar o desempenho, incluindo táticas de transição de bola, defensivas, análise de jogadores substitutos etc. Ou seja, a comparação entre as partidas destacou a importância de análises em tempo real para ajustes durante o jogo.

Estudo de Caso de Construção e Operação de Infraestruturas Marítimas

Por fim, o último estudo de caso que mencionamos, trata de uma empresa internacional especializada na construção e manutenção de infraestruturas marítimas. Com mais de 11 mil funcionários na época do estudo, a empresa atendia várias grandes empresas. Os relatórios gerenciais se basevam em data warehouse e em diferentes relatórios do Excel. Isso tornava a análise da performance do processo “Purchase-to-pay” (P2P) complexa e demorada, dificultando também a estimativa de prazos.

Explorando a Mineração de Processos para Aprimorar a Gestão

A empresa decidiu testar a Mineração de Processos com a expectativa de que conseguiriam melhorar a análise e o processo principal da empresa, em particular o processo P2P e a gerência das “contas a pagar”. Os gestores do processo tinham a expectativa de que a mineração de processos conseguiria ajudá-los a controlar melhor seus negócios diários, e assim conseguiriam comunicar de forma efetiva a performance para diferentes stakeholders da empresa.

A empresa implantou um software que realiza Mineração de Processos e a primeira mudança foi a utilização de dashboards que permitiram a visualização de prazos (principalmente dos processos de P2P e faturamentos). Dessa forma, os funcionários conseguiam visualizar como as atividades são performadas e começaram a observar o impacto de desvios nos processos. 

Os autores afirmam que executaram uma prova de conceito com dados do data warehouse e que começaram a extrair os dados diariamente após a implementação do software de mineração. Dessa forma, as queries de extração de dados e os dashboards padrão do software utilizado ajudaram a agilizar a implementação, a empresa construiu os primeiros dashboards em semanas e treinou um grupo de usuários. Esse grupo, então, estendeu os dashboards para monitorar os processos diariamente.

A empresa passou a extrair os relatórios do “dashboard de Mineração de Processos de Gerenciamento de Faturas” e compartilhá-los com todos os interessados.

Comunicação e resultados

A comunicação sobre os processos e gargalos serviram como base para uma situação mais controlada, e permitiram atividades de melhorias de processos. Além disso, a implementação do software de Mineração de Processos ajudou o Centro de Serviços Financeiros Compartilhados e outras unidades de negócio a trabalharem juntas para melhorar o processo “end-to-end”.

Outro resultado foi a diminuição do tempo de faturamento e a redução de variações de processos. A empresa pretende expandir a Mineração de Processos para outras áreas da empresa, e testar dados da empresa de outras fontes. Os gerentes, após análises diárias, se sentiram confiantes para realizar análises históricas, iniciando melhorias em toda a companhia.

Conclusão

Além dos estudos de caso apresentados neste post, existem na literatura diversos estudos em variados temas. Este post foi inspirado por uma uma thread do Twitter, onde diferentes pessoas postaram usos “exóticos” de técnicas de Process Mining, entre elas a mineração de repositórios de software; operações de minério; análise de comportamento de jogadores de videogame; mineração de processos aplicada à jogos de futebol; além de estudo de caso focado em redução de custos.

Apesar de parecer para algumas pessoas que a Mineração de Processos é uma matéria teórica e utópica, já existem muitas pessoas usufruindo na prática dos benefícios da aplicação de técnicas relacionadas a ela. 

Referências

Celonis. “Boskalis – Offshore with Full Speed Ahead”. Disponível em: https://www.tf-pm.org/resources/casestudy/boskalis-offshore-with-full-speed-ahead-79. Acesso em: 02/09/2020.

Costa, H. P., et al. “Case Study: Government Process Mining in the Brazilian Executive Branch”. Disponível em: https://www.tf-pm.org/resources/casestudy/government-process-mining-in-the-brazilian-executive-branch. Acesso em: 28/08/2020.

Dudok, E. “BEYOND ASSISTS – uncovering the DNA of Oranje”. Disponível em: https://www.tf-pm.org/resources/casestudy/beyond-assists-uncovering-the-dna-of-oranje-44. Acesso em: 01/09/2020.

Kurniati, A. P., et al. “Process mining in oncology: A literature review.2016 6th International Conference on Information Communication and Management (ICICM). IEEE, 2016.

Rojas, E., et al. “Process mining in healthcare: A literature review.” Journal of biomedical informatics 61 (2016): 224-236.

Van Der Aalst, W., et al. “Process mining manifesto.” International Conference on Business Process Management. Springer, Berlin, Heidelberg, 2011.