Diante de várias iniciativas, todas são importantes para a organização; no entanto, qual deve ser a ordem de implementação? Ou ainda, diante de um orçamento restrito, como escolher o que é melhor ser feito?
Esta é uma das situações com as quais o gestor se depara no seu dia-a-dia: a priorização racional entre o que é mais importante fazer e o que é mais prioritário fazer. Será que o prioritário é importante ou o importante é que deve ter prioridade? Como se chega à definição do porquê o projeto X deve ser mantido no portfólio de projetos em detrimento do projeto Y?
As escolhas implicam em eventuais “perdas”. Isto é fato. Mas é importante gerir bem as expectativas das partes interessadas e deixar claros os critérios de escolha de forma que aquelas propostas que não sejam atendidas, pelo menos, possam ter os motivos explicados racionalmente.
Apoiar a decisão na melhor relação custo/benefício é uma alternativa, porém como devemos delimitar o que é custo e o que é benefício? O valor atribuído a estas grandezas depende das percepções das partes interessadas.
Exemplos
Na figura abaixo estão alguns exemplos de que diferentes dimensões mostram como é complexo determinar uma “tradução” exata para o que significa baixo custo e alto benefício. Por isso, um critério ou “tradução” único não é viável para se decidir sob qual(is) projeto(s) deve(m) ser realizado(s) ou não.
POSSÍVEIS DEFINIÇÕES DE BAIXO CUSTO | POSSÍVEIS DEFINIÇÕES DE ALTO BENEFÍCIO |
---|---|
Mais barato | Melhoria nos processos |
Mais rápido | Operação mais eficiente |
Menor risco | Baixo turnover |
Mais fácil | Aumento da segurança da informação |
Menos necessidade de recursos | Adequação legal |
Existe uma aplicação prática da matemática no processo decisório, denominada análise multicritério. Além disso, ela é robusta e simples ao mesmo tempo. Os conceitos utilizados incluem proporção e percentual. Por exemplo, o professor Thomas Saaty apresentou em 2005 (SAATY, 2005) uma proposta de utilização de um método hierárquico e multicritério para a tomada de decisão. Uma das aplicações notáveis deste método pode ser vista em (VARGAS, 2010) para a seleção e priorização de projetos em um portfólio.
Proposta do professor Saaty
ESCALA | AVALIAÇÃO NUMÉRICA | RECÍPROCA |
---|---|---|
Extremamente preferido | 9 | 1/9 |
Muito fortemente preferido | 7 | 1/7 |
Fortemente preferido | 5 | 1/5 |
Moderadamente preferido | 3 | 1/3 |
Igualmente preferido | 1 | 1 |
Ao final das comparações existirá um ranking das opções expresso em grau percentual. Este percentual significa o quanto cada opção é preferida em relação às outras. Isto é, se o conjunto total das preferências corresponde a 100%, a opção A corresponde a 45% da preferência, a opção B corresponde a 30% da preferência e a opção C corresponde a 25% da preferência.
Priorização de Portfólio de Projetos
Para materializar esta proposta vamos imaginar uma situação mais próxima da realidade de gestão. Uma determinada empresa identificou que para atingir suas metas deste ano serão necessárias as implementações dos seguintes projetos:
PROJETO | CUSTO ESTIMADO |
---|---|
Revisão dos processos da área de vendas | R$ 500 mil |
Adequação dos sistemas às necessidades do E-Social | R$ 75 mil |
Novo sistema de tratamento de anomalias | R$ 200 mil |
Revisão do plano de cargos e salários | R$ 50 mil |
Troca do Plano de saúde | R$ 100 mil |
A estimativa inicial para execução de todos esses projetos é de R$ 925 mil. Entretanto, a diretoria aprovou somente um orçamento de R$ 700 mil para projetos neste ano. Os desafios aqui são: escolher quais projetos devem ser executados e estabelecer uma sequência de execução de acordo com as preferências da diretoria.
Aplicando a abordagem de comparação dois a dois à lista de projetos obtém-se a tabela abaixo:
Vargas e Escala Saaty
Utilizando o processo descrito por Vargas (2010) e a escala Saaty, primeiramente, são calculados os vetores de prioridade de acordo com os pesos dados a cada projeto na comparação dois-a-dois. Posteriormente, se o projeto A é preferido ao projeto B e o projeto B é preferido ao projeto C, seria inconsistente afirmar que o projeto A não é preferido ao Projeto C. Então, como propõe Saaty (2015), é necessário um índice de inconsistência que deve ser inferior a 10%. Este índice, que é função do número de critérios, mede a imprecisão do resultado obtido e serve para ajustar as avaliações feitas nas comparações dois-a-dois (por exemplo, se A é maior que B e B é maior que C, seria inconsistente afirmar que A é menor que C).
Adicionalmente, utilizando os valores referentes a cada uma das comparações e aplicando a técnica acima, temos os projetos priorizados de acordo com a distribuição das preferências na figura abaixo. É importante notar que o índice de inconsistência para este caso ficou em 5%.
Projeto | Percentual de preferência |
---|---|
Revisão dos processos da área de vendas | 35% |
Adequação dos sistemas às necessidades do E-Social | 28% |
Novo sistema de tratamento de anomalias | 23% |
Revisão do plano de cargos e salários | 8% |
Troca do Plano de saúde | 6% |
Leia também:
Interpretando o resultado dos Projetos
De acordo com o julgamento feito ao comparar os projetos dois-a-dois, o método indica que o projeto preferido é “Revisão dos processos da área de vendas” e conta com 35% da preferência.
Aplicando esta priorização para utilização do orçamento com base na estimativa inicial de custo de cada projeto temos que só será possível a realização de 2 dos projetos mais prioritários e o terceiro não terá orçamento suficiente para conclusão. À medida que os projetos vão sendo executados cabe ao gestor os respectivos monitoramentos e avaliação levando a eventuais ajustes nesta priorização de portfólio de projetos.
Projeto | Percentual de preferência | Estimativa de custo (em mil R$) | Uso do orçamento (em mil R$) |
---|---|---|---|
Revisão dos processos da área de vendas | 35% | 500 | 500 |
Adequação dos sistemas às necessidades do E-Social | 28% | 75 | 575 |
Novo sistema de tratamento de anomalias | 23% | 200 | 775 |
Revisão do plano de cargos e salários | 8% | 50 | 825 |
Troca do Plano de saúde | 6% | 100 | 925 |
Conclusão
O método aponta uma priorização de portfólio de projetos que considera a comparação dois-a-dois. No caso apresentado a quantidade de projetos é pequena e as diferenças percentuais são grandes o que torna fácil a visualização. Utilizamos esta quantidade de projetos com objetivos didáticos. Mas, no mundo real, uma carteira de projetos pode ser bem maior. Para carteiras com 50 projetos, por exemplo, a ajuda do método é maior ainda.
Cabe sempre o ajuste com a sensibilidade do tomador de decisão, mas ele se sentirá mais seguro por estar apoiado por um método com fundamento científico.
Em breve teremos outras oportunidades de continuar a tratar o assunto trazendo situações um pouco mais complexas e variações desta abordagem.
Referências
SAATY, T. L. (2005). Theory and Applications of the Analytic Network Process: Decision Making with Benefits, Opportunities, Costs, and Risks. Pittsburgh: RWS Publications.
VARGAS, R. (2010). Utilizando a programação multicritério (AHP) para selecionar e priorizar projetos na gestão de portfólio. PMI Global Congress. 1-22p.
Publicado por: Humberto Rubens Maciel Pereira humberto.rubens@dheka.com.br
Mestre em Sistemas computacionais – Data, Text Mining e Processos de negócio pela COPPE/UFRJ em 2009. Certified Project Management Professional (PMP) desde 2014.
Coautor do livro “Gerenciamento de processos de negócio (BPM – Business Process Management)” – Editora Érica e do livro “Análise e Modelagem de processo de negócio – foco em BPMN” –Editora Atlas.
Consultor especializado na realização de projetos de gestão em empresas de pequeno, médio e grande porte, com atuação nos segmentos privado e público. Atuação em projetos de BPM & LGPD em diferentes organizações.
Atuou durante mais de 10 anos na Petrobras exercendo atividades de gerenciamento de projetos (PMP), gestão de portfólio de projetos, modelagem de processos e automação de workflows, buscando sempre a geração de soluções para questões de negócios.
Experiência em projetos de Software Selection contemplando seleção de provedores e integradores de solução.