Era dos Processos
Nós vivemos a era dos processos! Muitos fenômenos do nosso tempo dizem respeito à dinâmicas complexas envolvendo mudanças: mudanças climáticas, globalização e movimentos sociais como #meToo, #blackLivesMatter, têm em comum que podemos aprender muito mais sobre eles se pensarmos neles como processos contínuos, em vez de objetos ou entidades estáveis.
Veja a pandemia da Covid-19: o coração da pandemia era um vírus (um objeto) que vive em constante mudança (evolução e mutação), dando muito mais trabalho para ser combatido.
Outro exemplo: As mudanças climáticas têm sido um processo contínuo, porém acelerado, com uma progressão de eventos cada vez mais catastróficos, como inundações, incêndios florestais e seca.
dheka, mas como assim pandemia, mudanças climáticas e movimentos sociais são processos?
Para estudar o surgimento e o desenvolvimento desses fenômenos contemporâneos, precisamos aceitar o fato de que a única constante em nosso mundo é a mudança. Nosso mundo não é feito de coisas, é composto de processos que mudam tudo ao nosso redor.
Mais do que isso, os processos contemporâneos são sociotécnicos. Eles compreendem ações e eventos que envolvem humanos (indivíduos ou coletivos) e tecnologias digitais (por exemplo, dispositivos móveis, sistemas organizacionais, Inteligência Artificial).
Process Science é um novo campo de estudo dos processos, baseada em 4 princípios-chave:
1. Coloca o processo no centro das atenções;
2. Investiga o processo de forma científica;
3. Abraça perspectivas de múltiplas disciplinas (interdisciplinar);
4. Visa criar impacto ao moldar ativamente o desenrolar dos processos.
Vamos ver como esses princípios se desenrolam quando mergulhamos na Process Science.
Processos Proprietários x Processos Não Proprietários
A Process Science enxerga os processos de forma ampla e não somente restrita aos processos organizacionais. Assim, podemos considerar que existem processos proprietários e não proprietários.
Os processos proprietários acontecem quando alguém tem a intenção de executá-los. Por exemplo, processos operacionais ou administrativos. Já os processos não proprietários ocorrem sem a intenção de qualquer agente e não pertencem a nenhuma organização em particular. É o caso dos processos naturais.
Ao olhar para fenômenos do mundo real, processos proprietários e não proprietários influenciam uns aos outros. Processos proprietários, como processos de produção, influenciam processos não proprietários, como desenvolvimentos ambientais. Da mesma forma, os processos não proprietários têm um impacto sobre processos não proprietários, como foi demonstrado dramaticamente pela pandemia da COVID-19.
Como cientistas de processos, nos interessamos em estudar ambas as formas de processos como uma visão integrada, visando compreender como eles interagem e se influenciam. Indo mais além, podemos considerar um continuum onde processos podem ser proprietários ou não em diferentes graus.
Por exemplo, dentro de um processo proprietário, eu posso ter partes do processo não proprietárias, aquelas que não podem ser controladas, alteradas ou influenciadas pelo dono do processo. No caso de processos educacionais, por exemplo, as ações dos alunos quase nunca podem ser controladas, enquanto as ações dos professores ou institutos podem. Portanto, as partes dos processos pertinentes ao comportamento do aluno não são proprietárias.
Mudanças Constantes
Uma visão que vê o mundo principalmente como um fluir em oposição a estar em um estado estável não é trivial. Vai contra muitas das nossas suposições profundamente arraigadas de que o nosso mundo é estável e permanente. Nós fomos treinados a pensar em objetos primeiro.
Na prática, processos e objetos coexistem: o fogo queima a madeira e a madeira alimenta o fogo. No entanto, a mudança de perspectiva do objeto em primeiro lugar para process-first oferece uma nova maneira de pensar sobre problemas familiares.
Uma orientação para processos abraça uma visão do mundo que está evoluindo. coloca a perspectiva no processo primeiro. No entanto, a mudança não é apenas parte do mundo natural ao nosso redor, mas também uma construção moldada pela ação humana. Se nós sabemos por que, como e quando ocorrem certas mudanças, podemos projetar e estudar intervenções.
Ou seja, a Process Science nos permite não apenas a capturar processos em voo, mas também nos encoraja a mudar de direção do voo, interferindo nos processos. Dado que uma mudança pode ocorrer naturalmente ou ser construída artificialmente, precisamos começar a nos perguntar: “como podemos influenciar a mudança?”.
A resposta é através de mecanismos que criam, desencadeiam, fomentam, previnem, aceleram ou retardam processos. Essencialmente, um foco no processo nos leva a entender como a mudança se desenrola.
Definindo Process Science
No post introdutório do tema Process Science aqui no nosso blog, já discutimos algumas definições de Process Science. Evoluindo o tema, mais recentemente, vom Brocke et al. (2024) conceituaram a ciência de processos como a “tentativa interdisciplinar de investigar a natureza da evolução, transição e mudança em vários níveis de abstração”. O objetivo da ciência de processos é reconciliar métodos, teorias e abordagens de vários campos científicos para estabelecer uma compreensão abrangente dos processos, bem como meios para projetar intervenções nos processos.
A ciência de processos fornece uma plataforma para disciplinas promoverem conjuntamente o estudo da dinâmica processual e encontrarem maneiras de mudá-la. A ciência de processos não é uma coisa. É um processo em evolução moldado por qualquer um que se envolva com ele.
Framework da Process Science
No cerne da Process Science está o foco no estudo dos processos. Não importa o tipo de processo. Ela visa descrever, explicar e intervir em processos (objetivo). Assim, abraça um ponto de vista interdisciplinar, integrando contribuições de várias disciplinas (perspectiva).
A Process Science oferece uma oportunidade de reconsiderarmos uma de nossas suposições básicas: o mundo é feito de objetos ou processos? Em geral, fomos treinados para pensar em objetos primeiro.
Por exemplo, a Ciência da Computação e os Sistemas de Informação adotam a postura centrada em processos e entendem os processos como fenômenos que ocorrem e que mudam as propriedades destes objetos já existentes. Porém, outras disciplinas, como a Biologia, estão começando a questionar a perspectiva do objeto primeiro e considerar uma perspectiva de “processo primeiro (process first)”. Eles argumentam que as entidades que reconhecemos como objetos (por exemplo, células ou organismos) são o resultado desses processos.
A mudança de perspectiva de objeto-primeiro para processo-primeiro oferece uma nova maneira de pensar sobre problemas familiares. Por exemplo, em vez de focar em galinhas e ovos, poderíamos focar nos processos bioquímicos e evolutivos em andamento que os trazem a ambos à existência. Para os nossos interesses na área de BPM, a perspectiva de processo-primeiro pode fornecer uma maneira útil de ver analogias entre domínios que têm diferentes objetos, mas processos semelhantes.
A ideia-chave é que um foco no processo avança nossa compreensão de vários fenômenos porque direciona nossa atenção para relações causais-temporais subjacentes. Quando sabemos por que e como um processo específico se desenrola, estamos mais bem preparados para redirecioná-lo e mudá-lo.
Objetivos da Process Science
A ciência de processos se esforça para causar impacto na vida das pessoas, organizações e sociedade. Ela é inerentemente pragmática, pois se esforça para criar conhecimento que tenha valor na solução de problemas do mundo real. Dentro deste contexto, se delineiam 3 (três) objetivos específicos da Process Science:
- Descobrir (Discovery): A descoberta enfatiza a detecção de dinâmicas que constituem o fenômeno de interesse. Visa explorar todos os tipos de fenômenos (organizacionais ou naturais) utilizando dados. As técnicas de mineração de processos ajudam muito aqui.
- Explicar (Explanation): A explicação visa compreender a dinâmica dos processos. Explica como e por que os processos se desenrolam. Procura identificar causa-efeito das relações entre os processos. A ideia é que uma profunda compreensão de um processo permite previsões sobre os possíveis estados futuros do processo.
- Intervir (Intervention): A intervenção visa mudar os processos à medida que eles se desenrolam. Desta forma, podemos contribuir mais fortemente para resolver problemas do mundo real. Podemos atuar para alcançar objetivos específicos (como evitar que processos naturais causem maiores danos).
Conclusão
Resumindo, a Process Science está interessada na compreensão de processos de diferentes tipos, em vários e diversos contextos visando investigar e projetar maneiras de influenciar a evolução dos processos para melhor. Além disso, precisamos enfatizar a Process Science em termos de um estudo interdisciplinar de processos. O pensamento de processo é colocado no centro do palco e seu uso não deve ser limitado a uma disciplina de pesquisa específica.
A ciência de processos não se trata apenas de capturar a realidade em voo — trata-se também de influenciá-la enquanto ela se desenrola. Porém, ela ainda está em construção. Todos que querem se envolver com ela são bem-vindos para moldar o campo à medida que ele evolui.
Referências Bibliográficas
AALST, van der W.; ER; DAMIANI, E. (2015). “Processes Meet Big Data: Connecting Data Science with Process Science“. IEEE Transactions on Services Computing, v. 8, n. 6, p. 810–819. Disponível em: https://bit.ly/3an4VWM
vom BROCKE, J.; et al. (2021). “Process Science: The Interdisciplinary Study of Continuous Change”. Disponível em: SSRN: https://ssrn.com/abstract=3916817 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3916817
vom BROCKE, J.; et al. (2024) “Process science: the interdisciplinary study of socio-technical change”, Process Sci, vol. 2, no 1, p. 1, doi: 10.1007/s44311-024-00001-5.
Publicado por: Andréa Magalhães
CEO e Fundadora da dheka – Especialista em BPM – Professora e Pesquisadora
Atuou durante 7 anos como professora do Instituto de Computação (IC) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Atuou como pós-doutora e pesquisadora pela COPPE/UFRJ em 2014 e na UNIRIO em 2015. Concluiu seu doutorado em Engenharia de Software com foco em Processos e Colaboração pela COPPE/UFRJ em 2013.
Experiência de participação em projetos de consultoria para diferentes empresas, como B3, Marinha, Petros, Vale, TIM, Petrobras, SENAI-CETIQT, Shell, Arquivo Nacional e Mongeral Aegon. Atua há 20 anos nas áreas de Gestão de Processos de Negócio (BPM), Gerência de Projetos e Requisitos. Atuou durante 2,5 anos como Gerente na Ernst Young (EY). Certified Business Process Professional (CBPP).
Também ministra cursos de pós-graduação e extensão, orienta alunos e possui trabalhos publicados em congressos e revistas nacionais e internacionais.
Como Expert Digital, mantém o canal do Youtube da dheka, os podcasts do canal dhekaCast no Spotify, Deezer e Apple Podcast, contribui com publicações para o blog da dheka e atua como Palestrante e Mentora.